Já não me importo
Já não me importo Lyrics
Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.
Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei
Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,
Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,
Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.
E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz.
About
Datado de 2/9/1935, este poema é por isso um dos mais tardios poemas ortónimos de Fernando Pessoa.
Como é comum na sua poesia ortónima, não há grandes artifícios ou emoções destiladas por linguagem colorida. Realmente podemos atestar como o “personagem ortónimo” representa, no todo do drama em gente Pessoano, aquela parte restante, ele é verdadeiramente o resto na conta complexa do jogo heteronímico. Parafraseando Pessoa, o ortónimo é ele menos os outros eles, é ele menos ele, é por isso mesmo um reflexo interior que sai para fora e, quando fora, se acha inadaptado, disforme, nebuloso.
Pessoa morreria em Novembro deste mesmo ano. Por isso quem ele era em Setembro ressoa nestas palavras secas. Era já um homem de certo modo amargurado, e sobretudo desiludido. Desiludido com o governo do país que o isolara, e desiludido também com a própria esperança em organizar a sua vida, a sua obra, o seu futuro.
Grande parte dos poemas ortónimos reflecte este mesmo estado de espírito da perda de esperança, de uma grande abulia, um quase torpor de existir. Mas neste poema esse sentimento torna-se mais real, tomando em consideração que faltariam apenas alguns meses para o grande poeta desaparecer para sempre. O que ele pensava aqui provavelmente reflecte o que ele pensaria até à sua morte.
Q&A
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